quinta-feira, 17 de novembro de 2005

A montanha pariu um rato

É notável o trabalho que a assessoria de imprensa do Ministério da Educação tem feito nesta legislatura! É perturbante a forma como a comunicação social, de um modo geral, publica as “novidades” do ME sem o mínimo de investigação sobre os assuntos em causa. Denuncio esta situação porque a minha pátria com 31 anos de democracia me educou na convicção de que devo exercer os meus direitos de cidadania plena e, como diz a canção “vimos, ouvimos e lemos / não podemos ignorar”.
Colocação de professores:
No início do ano lectivo – comparativamente ao ano transacto, sublinhe-se – todas as declarações foram no sentido de que os professores estavam todos colocados sem problemas. Quem anda no terreno sabe que não foi bem assim e que se passaram situações caricatas de colocar mais do que um professor para o mesmo horário e, noutra escola, não haver professor colocado. Vejam-se os jornais diários e constate-se que todos os dias há anúncios para colocação de professores de TIC (tecnologias de informação e comunicação) no 2º e 3º ciclos e professores de apoio sócio-educativo no 1º ciclo. Dificilmente estaremos a falar de substituições para universo tão alargado.
Inglês no 1º ciclo:
Cumpre-se o programa do Partido Socialista para a legislatura, quanto a mim, da pior forma. São as autarquias que, em vésperas de eleições autárquicas, cumprem o programa do governo em troca de uns prometidos cem euros por aluno. Enquanto as autarquias contratam professores para o efeito ( em alguns concelhos o Inglês ainda não começou), o Ministério paga o vencimento a professores de língua inglesa de 2º, 3º ciclo e secundário que têm vínculo mas não têm horário. Eventualmente os que não têm vínculo e não ficaram colocados recebem ou aguardam subsídio de desemprego. Resta acrescentar que o ensino do Inglês não é universal pois não é leccionado na componente curricular em regime de docência coadjuvada, pelo que as escolas de 2º ciclo irão ter sérios problemas de gestão curricular quando estes alunos chegarem ao 5º ano em situações de desigualdade.
Manuais grátis para alunos carenciados:
Uma das recentes novidades que só convence os ignorantes. Não pretendo ofender ninguém pretendo somente dizer que alguns ignoram ainda que no 2º e 3º ciclos os manuais são gratuitos para os alunos carenciados há já, pelo menos, uma década. E no 1º ciclo são já numerosas as autarquias que asseguram a gratuitidade dos manuais dos alunos mais carenciados sem qualquer compensação por parte da tutela. Onde é que está a novidade? Nos 6 anos de vigência em vez de 4? Um rato! E as editoras serão proibidas de oferecer manuais aos professores. E então, as escolas serão contempladas com orçamento para assegurar as ferramentas oficiais de trabalho dos seus professores ou estes serão obrigados a subsidiar a entidade patronal desembolsando todos os anos o preço dos manuais dos níveis que leccionam? Inédito!
Avaliação extraordinária para alunos em risco de retenção:
Li a notícia, em manchete de 1ª página, e comparei-a com o despacho regulamentar 50/2005. Algumas das medidas referidas são cópia de despacho da anterior ministra em Janeiro de 2005. Estes, por sua vez, já estavam expressos no decreto-lei 98-A (do tempo da paixão). É, mais uma vez, o baralha e torna a dar. Falam nos outros técnicos da educação ao serviço nas escolas e, entre outras medidas, na pedagogia diferenciada na sala de aula. Como posso eu investir em pedagogia diferenciada quando tenho 8 horas semanais para trabalho individual (planificação e avaliação) a dividir por 4 níveis de ensino, 6 turmas e 140 alunos? Este trabalho é para os 22 tempos lectivos em que estou com os meus alunos. Entretanto exigem-me mais 5 tempos lectivos para medidas de apoio educativo para as quais necessitaria de mais tempo de preparação. Como não tenho... Ah! Ainda temos 2 horas para reuniões (nunca chegam, a menos que adiemos trabalho ad eternum). Com isto tudo, façam as contas, são 37 horas de trabalho. Mas o pior não é isso. Trabalho de bom grado as 35 horas na escola; até levo o meu escritório ambulante de 20 quilos para trabalhar num moderno “open space” de 60 metros quadrados para 50 professores com acesso a dois computadores. Mas não digam que a falta da qualidade do ensino é culpa dos professores. Não é honesto! Elvira Tristão