quinta-feira, 22 de outubro de 2009

O Deus Saramago

Tive na família orientação católica mas identifico-me acima de tudo como cristão. Nesta qualidade - discordando da visão de Saramago - reconheço o mérito do nosso Nobel por ter despoletado esta discussão.
Partilho daquele principio que nos diz que "a dúvida é o começo da convicção" e, como defende o autor norte-americano Shanley, a dúvida é uma "parábola" que "requer mais coragem do que a convicção, e mais energia; porque a convicção é um lugar de repouso e a dúvida é infinita, é um exercício apaixonado".
Foi assim que construi a minha Fé. Foi questionando-a. E ainda não encontrei as respostas todas. Como qualquer obra humana, esta "construção" da Fé será sempre uma obra inacabada. É essa viagem, é esse caminho que deveria ser valorizado em Saramago. Independentemente das convicções de Saramago ou dos seus excessos, a sua obra tem servido para questionarmos, colocarmos em causa, discutirmos abertamente, sem preconceitos, sem dogmas as questões da Fé.
A religião que deveria ser ponto de encontro permanente para unir e aproximar os Homens dividi-os há mais de 2000 anos. Em nome dela o Homem tem feito de tudo. Fomentou a solidariedade, o espirito de entreajuda, o conforto espiritual. Mas também, como nos demonstra a História, cometeu as maiores atrocidades. A religião deveria servir para nos aproximar, para fomentar o diálogo entre as diferentes confissões e também com aqueles que pura e simplesmente não acreditam na existência de Deus. Deveria! Mas ela é vivida pelos Homens. Com as nossas imperfeições.
De forma simplista penso que se pode concluir que Saramago não acreditando em Deus, questiona-o, interpreta-o. Nesse exercício, interpretando-o como um Homem comum, repleto de defeitos, acaba paradoxalmente por interpretá-lo na linha da tradição judaico-cristã. Para tal vejamos Génesis 1:26; 5:1 e 9:6 - “disse Deus: Façamos o Homem à nossa imagem, conforme a nossa semelhança”.
Saramago, "Deus das letras", criado à imagem do "Deus criador", estará de igual modo repleto de contradições e de defeitos. Mas de um ninguém o pode acusar: de conformismo. A sua liberdade crítica desafia-me a questionar e a renovar a minha Fé. Saramago seja louvado!
Foto: revista VISÃO