sexta-feira, 23 de outubro de 2009

Governo consistente

Governo apresentado. Bom, uma parte dele. Faltam os Secretários de Estado. Uma boa equipa também depende da coesão em cada Ministério. Ainda assim, o elenco de Ministras (5) e Ministros (11)) suscita entusiasmo, quer pelo perfil técnico e político, quer pela interpretação que o Primeiro-Ministro fez dos reajustamentos necessários em áreas de grande tensão sócio-profissional. Esta formação governativa parece-me pretender cumprir três grandes objectivos:
1.º Objectivo: resolver a crise. A passagem do economista do ISEG, Vieira da Silva, para a Economia e Inovação, acumulando o Desenvolvimento, e assim a gestão dos fundos comunitários (QREN), a par da designação de um notável economista, também do ISEG, nas Obras Públicas, dão um sinal político claro da gestão pragmática que o combate à crise obriga: prioridade à economia, ao investimento público e ao rigor da sua execução.
Em tempo de crise, a urgente necessidade da aceleração da execução do QREN justifica esta “transferência” da importante área que tutelava para a Economia. A entrada de António Mendonça nas Obras Públicas e Transportes justifica-se para responder às questões de controlo orçamental dos grandes investimentos públicos.
Vejamos: os grandes investimentos, depois de décadas de discussão, ficaram definidos na legislatura que agora termina. Estão definidos e desenhados os grandes projectos como a Terceira Travessia do Tejo, o TGV e o Aeroporto Internacional de Lisboa. Nesta legislatura, a discussão não se irá centrar nas questões técnicas, nas questões de engenharia, mas sim no modelo de financiamento, no impacte destes investimentos na economia e nas suas eventuais derrapagens. Assim, parece-me plenamente ajustado que o PM tenha entregue essas tarefas a um Professor Catedrático, bastante respeitado intelectualmente no mundo económico e académico.
2.º Objectivo: assegurar a governabilidade. Num Governo de minoria, a pasta dos Assuntos Parlamentares ganha uma relevância que não teve na legislatura anterior, sem prejuízo do elevado mérito da intervenção política de Santos Silva. O desgaste deste Ministro junto das oposições em defesa do Governo inviabilizava uma solução de continuidade.
Assim, teria que se encontrar uma personalidade que assegurasse condições de diálogo, de confiança e de compromisso político junto das diferentes bancadas parlamentares, e que ao mesmo tempo, fosse próximo do núcleo duro do PM.
Jorge Lacão assegura tudo isto. Acumula a experiência parlamentar de muitos anos, com o exercício das funções de Secretário de Estado da Presidência do Conselho de Ministros - por onde passou todo o processo legislativo do Governo -, trabalhando ao lado de Pedro Silva Pereira, braço direito do PM. Era, porventura, a única personalidade que preenchia todos estes requisitos singulares na actual conjuntura de grande dispersão parlamentar.
3.º Objectivo: pacificar a educação e a agricultura. As substituições na Educação e na Agricultura eram desde há muito reclamadas pelos respectivos sectores sócio-profissionais. A animosidade crescente nestas áreas reclamavam novos rostos, novas soluções que restaurem e reforcem o clima de confiança e de concertação política. Isabel Alçada e António Serrano têm essa tarefa árdua, dada a conjuntura de crispação que vão encontrar nos seus sectores. Foi, essencialmente aqui, que se registou maior incompreensão em algumas reformas efectuadas. Foi por aqui que passou a perda da maioria absoluta. Professores a penalizarem-nos com o voto, fundamentalmente, no BE; e os agricultores, na mesma medida, a posicionarem-se no CDS-PP. Infografia: http://www.expresso.pt/

quinta-feira, 22 de outubro de 2009

O Deus Saramago

Tive na família orientação católica mas identifico-me acima de tudo como cristão. Nesta qualidade - discordando da visão de Saramago - reconheço o mérito do nosso Nobel por ter despoletado esta discussão.
Partilho daquele principio que nos diz que "a dúvida é o começo da convicção" e, como defende o autor norte-americano Shanley, a dúvida é uma "parábola" que "requer mais coragem do que a convicção, e mais energia; porque a convicção é um lugar de repouso e a dúvida é infinita, é um exercício apaixonado".
Foi assim que construi a minha Fé. Foi questionando-a. E ainda não encontrei as respostas todas. Como qualquer obra humana, esta "construção" da Fé será sempre uma obra inacabada. É essa viagem, é esse caminho que deveria ser valorizado em Saramago. Independentemente das convicções de Saramago ou dos seus excessos, a sua obra tem servido para questionarmos, colocarmos em causa, discutirmos abertamente, sem preconceitos, sem dogmas as questões da Fé.
A religião que deveria ser ponto de encontro permanente para unir e aproximar os Homens dividi-os há mais de 2000 anos. Em nome dela o Homem tem feito de tudo. Fomentou a solidariedade, o espirito de entreajuda, o conforto espiritual. Mas também, como nos demonstra a História, cometeu as maiores atrocidades. A religião deveria servir para nos aproximar, para fomentar o diálogo entre as diferentes confissões e também com aqueles que pura e simplesmente não acreditam na existência de Deus. Deveria! Mas ela é vivida pelos Homens. Com as nossas imperfeições.
De forma simplista penso que se pode concluir que Saramago não acreditando em Deus, questiona-o, interpreta-o. Nesse exercício, interpretando-o como um Homem comum, repleto de defeitos, acaba paradoxalmente por interpretá-lo na linha da tradição judaico-cristã. Para tal vejamos Génesis 1:26; 5:1 e 9:6 - “disse Deus: Façamos o Homem à nossa imagem, conforme a nossa semelhança”.
Saramago, "Deus das letras", criado à imagem do "Deus criador", estará de igual modo repleto de contradições e de defeitos. Mas de um ninguém o pode acusar: de conformismo. A sua liberdade crítica desafia-me a questionar e a renovar a minha Fé. Saramago seja louvado!
Foto: revista VISÃO